Há muitos anos, estive num festival de cinema alternativo em São Paulo. O filme da noite era uma produção húngaro-alemã. As legendas em português tinham sido feitas às pressas para a exibição e ficaram miúdas demais. Lá, de onde estava sentado, mal podia lê-las e o meu nível de alemão era insuficiente para acompanhar o filme. Pesquei várias palavras e algumas poucas frases. Relaxei e curti o filme.

Sem a preocupação com a leitura das legendas e a compreensão dos diálogos, pude apreciar como nunca a expressão dos atores. Prestei atenção nos seus rostos e nos olhares. Escutei todos os sons possíveis, desde os suspiros mais discretos à belíssima trilha sonora. Apreciei o movimento dos atores na linda Budapeste – suas posturas, gesticulações e o caminhar. Ao final, uma única certeza: o filme era excepcional.

Aquilo que se passou no filme acontece com você e com todo mundo. Sempre. Quando encontramos outras pessoas, nosso cérebro automaticamente faz as mais diversas leituras, capturando todos os detalhes possíveis. Não temos qualquer controle sobre isso. O cérebro foi programado para buscar e interpretar esse big data humano.

A transferência dos nossos encontros para o mundo virtual, através de um intermediário como o Zoom muda o jogo. Por várias razões técnicas e práticas, perdemos essa riqueza de informações. Contentamo-nos com a boa compreensão das palavras. Nem mesmo podemos ter o contato olho no olho, tão essencial para o estabelecimento de confiança.

Numa videoconferência pelo Zoom ou similares, abrimos mão do conjunto de informações não verbais. Porém, o coitado do cérebro continua a procurá-lo. A conversa pode até ser agradabilíssima, mas o cérebro segue buscando em vão aquelas informações para as quais foi treinado.

Antes essa comunicação verbal chegasse de forma clara e precisa! Mais uma vez, a tecnologia dá com uma mão e tira com a outra. O funcionamento normal do Zoom e seus similares é acompanhado de ruídos, atraso, instabilidade de rede e um sem número de contratempos, gerando uma sobrecarga extra no cérebro, pois ele precisa filtrá-los e interpretá-los. Exagerando-se um pouco, é como se estivéssemos traduzindo o texto. Podemos até estar numa boa sem perceber a ginástica mental em curso.

Ainda dentro desse campo, a eterna expectativa de algum problema técnico maior não costuma ajudar: Será que a Internet do João caiu? Será que a Maria está em ‘mute’? Por que o nível de ruído está aumentando? A videoconferência caiu ou foi só eu? É uma tensão constante.

As preocupações só prejudicam um cérebro a caminho do estresse. A pior delas, para muitos, é a aparição da própria imagem. O incômodo de ser observado o tempo todo – mesmo quando isso não é verdade – pode ser uma tortura. Para piorar, na era da quarentena, o cenário é um transtorno adicional. Aquele cantinho de casa, nosso home office, não foi projetado para ser mostrado tantas vezes. Investimos um dinheirão para embelezar a sala de estar e mostramos aquele maldito cantinho!

Os aspectos ressaltados até aqui ilustram o desconforto e a sobrecarga neuropsicológica a que estamos submetidos com o uso intenso de ferramentas de videoconferência. Eu escrevi uso intenso, pois o arsenal de ferramentas da tecnologia foi feito para ser usado de maneira moderada e alternada com os contatos físicos. Passar oito horas seguidas no Zoom é um atalho para a exaustão.

O último elemento de estresse abordado neste artigo vem do próprio contexto: a quarentena e o confinamento compulsório. Fazer tantas coisas pelo Zoom lembra o quanto a nossa vida mudou. Nossos diferentes papéis sociais sempre foram feitos em lugares distintos: em casa, no trabalho, no restaurante, na academia, etc. Agora, é tudo pelo Zoom. O colapso desta estrutura tão cristalizada e a sua centralização no Zoom agrava o quadro.

Os fatores mencionados acima explicam a chamada Zoom fatigue. Seus sintomas têm sido muito variados: o cansaço, o desconforto, a sensação de isolamento e a ansiedade. Muitos estão a caminho do burnout sem saber.

É importante compartilhar dicas para evitá-la. Sem querer ser exaustivo, escolhi algumas extraídas de uma vasta coleção de artigos sobre o tema: 1) Fazer intervalos entre as videoconferências; 2) Além desses breves intervalos, fazer alguns bem maiores para espairecer; 3) Deixar de olhar a própria imagem; 4) Usar outras ferramentas de forma alternada, como o  bom e velho smartphone e o chat; 5) Mudar o ambiente conforme a ocasião, variando a iluminação e pequenos aspectos decorativos; 6) Assegurar que reuniões grandes tenham um facilitador. Nada disso faz sentido se não houver um compromisso com a boa gestão do tempo e a redução de reuniões, webinars e demais interações do tipo.

A tecnologia está aí para ajudar. De fato, é impressionante que centenas de milhões de pessoas tenham passado a estudar e trabalhar em casa num período tão curto. Nossa sociedade está de parabéns pela conquista, mas não devemos deixar os maus hábitos afetarem o nosso já delicado equilíbrio emocional.

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