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O físico Niels Bohr, prêmio Nobel, disse certa vez “É difícil fazer previsões, especialmente sobre o futuro”. Ele tem toda a razão. A única coisa que sabemos sobre o futuro é que ele será diferente de hoje.

O mundo das tecnologias digitais é infestado de novidades e a todo ano aparecem horrorosos artigos sobre tendências para os próximos anos, como se tecnologia fosse fashion. Entre o hype e a real adoção e disseminação pelo mercado muitas vezes passam-se muitos anos. Assim, visões imediatistas são apenas desejos ou sonhos. Podem até dar certo, mas também podem nunca se concretizarem.

O mais racional é usar o conceito do copo meio cheio e meio vazio. O meio cheio é o hype, emoção, onde determinada tecnologia vai mudar o mundo. Será o futuro. E o copo meio vazio é a racionalidade, procurar entender os desafios e definir as limitações da tecnologia. Parto do princípio de que não devemos nos deixar entusiasmar pelo hype e pelo FOMO (fear of missing out) e seu consequente efeito manada, onde se você não seguir a onda é conservador, precisa estudar mais, ou outros “predicados” desses.

Como ninguém consegue visualizar o futuro com precisão, devemos criar nossa própria percepção, buscando conectar sinais esparsos que aparecem aqui e ali. A conexão entre os sinais é importante, pois uma tecnologia não vive no vácuo e depende não apenas de outras tecnologias, como também do interesse e do momento da sociedade. Se as pessoas não se entusiasmarem, a tecnologia não se dissemina.

É um ciclo constante e a cada ano aparece uma tecnologia que gera muito hype. Desde outubro do ano passado o termo metaverso ficou na moda. Esse fenômeno foi disparado pela mudança do nome do Facebook para Meta e de um dia para o outro, todo mundo começou a discutir o assunto, surgiram inúmeros cursos e palestras sobre o tema e “arroubos” do tipo “metaverso: onde você viverá e trabalhará no futuro” passaram ser comuns.

Mas, é curioso que o conceito de metaverso não consegue ser definido com precisão. Meta tem uma definição, Microsoft outra e assim vamos levando. Então, como algo que nem conseguimos definir o que seja pode ser o “futuro”? Na prática, hoje o metaverso é como o Clube da Luta, e a primeira regra do metaverso é que ninguém sabe o que é o metaverso. É como uma daquelas manchas de Rorschach, testes de personalidade com base na análise das interpretações que cada pessoa faz de diferentes manchas de tinta , cada um vê nela o que quer.

O termo metaverso foi criado a uns 20 anos atrás, pelo escritor Neal Stephenson no seu livro de ficção científica Snow Crash, que confesso não li, embora tenha sido eleito, pela revista Time um dos 100 melhores romances escritos na língua inglesa. Está agora na minha lista de leitura. O livro foi lançado quando a internet ainda estava engatinhando, no início da década de 1990 e inspirou a criação do “Second Life”.

Entre 2004 e 2008, quando então na IBM, experimentei o Second Life. Havia até um grupo global de discussão na empresa que buscava identificar aplicações. Fizemos várias experimentações, algumas que deram certo e outras que foram para o buraco. Mas foi um bom aprendizado. Em 2007, no CONARH (Congresso Nacional sobre Gestão de Pessoas) apresentei uma palestra “Existe vida dentro dos chips? Negócios e trabalho no mundo virtual” onde mostrei os casos potenciais de uso do Second Life nas empresas, como no varejo (design personalizado em um ambiente 3D : como os produtos ficarão em sua casa?), entretenimento (casos dos shows do Duran Duran e U2), mídia (as experiências da Fox e BBC), meetings virtuais, laboratórios sociais (University of California, Davis: Peter Yellowlees, professor de psiquiatria da UCD usando Second Life para simular e criar experiências com esquizofrenia), educação e treinamento, recrutamento (entrevistas entre candidato e recrutador) e outros casos diversos.

Tivemos também em 2006, a primeira pessoa a fazer um milhão de dólares em compra e venda de propriedades virtuais, o avatar Anshe Chung, “Anshe Chung: First Virtual Millionaire”, que chegou a ser capa de revista de negócios.

O Second Life caiu em desuso, mas continua vivo, embora com pouca badalação. É usado basicamente nos EUA. Em 2021, o Second Life registrou cerca de 64,7 milhões de usuários ativos em sua plataforma. Organizações como a Universidade de Stanford, a American Cancer Society e a Adult Swim continuam usando a plataforma para eventos virtuais.

Quando Zuckerberger anunciou a mudança de nome, para enfatizar a pivotada do Facebook para o metaverso, estava em busca de reativar o interesse do mercado, porque no último relatório para os acionistas o Facebook perdeu um quarto de trilhão de dólares de valuation, uma vez que começou a perder usuários ativos. Também a mudança na política de privacidade da Apple tirou mais de 10 bilhões de dólares da receita do FB, pois afetou diretamente sua fonte de receita, anúncios personalizados.

Engraçado que parece que nem ele sabe bem o que vem a ser esse metaverso. Na entrevista, Mark textualmente disse “I think a lot of people, when they think about the metaverse, they think about just virtual reality — which I think is going to be an important part of that. And that’s clearly a part that we’re very invested in, because it’s the technology that delivers the clearest form of presence. But the metaverse isn’t just virtual reality. It’s going to be accessible across all of our different computing platforms; VR and AR, but also PC, and also mobile devices and game consoles. Speaking of which, a lot of people also think about the metaverse as primarily something that’s about gaming. And I think entertainment is clearly going to be a big part of it, but I don’t think that this is just gaming. I think that this is a persistent, synchronous environment where we can be together, which I think is probably going to resemble some kind of a hybrid between the social platforms that we see today, but an environment where you’re embodied in it.”.

Pois é, o que ele está realmente descrevendo? Dependendo de como você lê este parágrafo, ele está descrevendo apps, realidade virtual, jogos e várias outras coisas. Pode-se até argumentar que ele está simplesmente descrevendo a internet. Mas, me parece que ele não está criando nada, sendo apenas uma versão aprimorada do Second Life!

Como o poder de fogo do FB, agora Meta, é imenso, o anúncio gerou uma onda de previsões otimistas sobre o metaverso. O Gartner disse “25% of people will spend at least one hour per day in the metaverse by 2026”. A mídia especializada também correu para falar do metaverso como o futuro da internet.

Já vimos alguns vaporware irem para o buraco. Magic Leap é um exemplo. Lembram-se dele? Para recordar vale a pena ler “Magic Leap tried to create an alternate reality. Its founder was already in one” onde a startup levantou 3,5 bilhões de US$ para criar um headset de RA que não conseguiu decolar.

Mas, voltando ao metaverso da Meta, tem um artigo interessante, “Hey, Facebook, I Made a Metaverse 27 Years Ago” que aborda algumas iniciativas anteriores do que a Meta chama hoje de metaverso.

Mais recentemente experimentei o Decentreland (avatares bem toscos) e brinquei com o VRChat, esse com o Oculus Quest 2. Os sinais que consegui conectar não me entusiasmaram com a proposta da Meta para seu metaverso. Claro, que como temos plasticidade cerebral, aquela reorganização da estrutura neural ao viver uma experiência nova, ou seja, a capacidade das sinapses, dos neurônios ou de regiões do cérebro de alterar suas propriedades através do uso ou estimulação, podemos mudar nossas percepções. Novos sinais vão aparecer e reorganizar minha percepção do metaverso e quem sabe mudarei de ideia. Não devemos fossilizar nossas percepções. As tecnologias devem ser vistas não como fotografias estáticas, que não mudam com o tempo, mas como um vídeo, onde cada frame é diferente do anterior.

Lembrem-se de que ninguém imaginou em 1995 a internet de hoje, a importância do streaming de vídeo e as mídias sociais. Ao mesmo tempo, ninguém tem uma ideia clara de como será o “metaverso” do futuro em 25 anos. Existem muitas variáveis, como a convergência de tecnologias (5G, 6G, IA, robótica, dispositivos XR, BCI), a evolução da nossa sociedade e algumas novas ideias que podem mudar todo o nosso modo de vida.

E como ninguém é dono da verdade, o que podemos fazer é compartilhar nossas visões para incentivar debates. Das divergências de opiniões, quem sabe cheguemos a conclusões? Na verdade, só saberemos se nossa visão de futuro está correta quando o futuro se tornar presente. Até lá, são debates, questionamentos e incertezas. Até agora, confesso que a proposta da Meta não me entusiasma. Tem muitas implicações sérias de privacidade, que aparentemente não estão sendo endereçadas com a atenção necessária, como podemos ver em “VR Headset Hacks Could Steal Sensitive Information” e questões relacionadas à falta de controle que permite uso inadequado como reportado em “Metaverse app allows kids into virtual strip clubs”.

Também existem ainda desafios de barreiras tecnológicas a serem vencidas , como o próprio Mark disse em entrevista recente: “Meta says its metaverse ambitions won’t be possible without better cellular networks”.

Portanto, quero propor aqui uma reflexão: metaverso será mesmo um negócio fantástico? O futuro da internet? Será plausível? Ou apenas um “Second Life2.0” revigorado com bilhões de dólares?