Recentemente, com o Facebook lançando sua nova marca, Meta, e se autodenominando uma “metaverse company”, a palavra metaverso passou a ser um assunto muito badalado.

No Linkedin, por exemplo, tem chovido posts sobre o tema. Até a mídia não especializada publica matérias e mais matérias sobre o assunto.

Bem, é minha vez agora, mas não vou escrever sobre o que é metaverso. Tem muita coisa escrita sobre isso.

Basta dizer que o metaverso cria uma experiência muito mais envolvente para os consumidores de mídia social, jogos e outras tecnologias digitais.

E, como spoiler, o metaverso nos leva ao território da ficção científica do filme Matrix

O termo foi criado há 20 anos pelo escritor Neal Stephenson no seu livro de ficção científica Snow Crash, que confesso não li, embora tenha sido eleito pela revista Time um dos 100 melhores romances escritos na língua inglesa. Está agora na minha lista de leitura.

O livro foi lançado quando a internet ainda estava engatinhando, no início da década de 1990, e inspirou a criação do Second Life. O Second Life foi lançado em 2003, e na época eu estava na IBM. Lembro que então criamos um grupo de estudos global e informal, para estudar o potencial do que chamávamos de “virtual worlds”.

A proposta do Second Life era criar um metaverso realista com elementos como clima, natureza, objetos que obedecessem às leis da física, animais, etc. Tinha, inclusive, uma moeda oficial, o Linden (L$), uma moeda virtual utilizada para transações, compras e vendas no universo de Second Life.

Nas experiências que então fizemos na IBM, tínhamos alguns projetos interessantes, como o de simular treinamento de reuniões em situações insólitas, quando por exemplo, se você tivesse que lidar com um personagem ou avatar que mostrasse um comportamento agressivo.

Como se posicionar na reunião em ao enfrentar uma situação dessa? Outro projeto foi de fazer reuniões de onboard de novos funcionários, que fossem contratados em países diferentes, para trocar suas primeiras impressões e se integrarem com funcionários veteranos.

A proposta era de criar, desde início, um ambiente de empresa globalizada. Mas as limitações tecnológicas e os frequentes “congelamentos” de imagens impediram que a experiência fosse fluída e o interesse acabou se desvanecendo. Na figura abaixo alguns exemplos dessas experiências. 

Também tem um artigo interessante, “Hey, Facebook, I Made a Metaverse 27 Years Ago” que aborda algumas iniciativas anteriores do que o FB chama hoje de metaverso. Aliás, para quem se interessar, tem um bom histórico do conceito de metaverso no artigo  “Metaverses”. 

Nele você descobre que o CEO da Microsoft, Satya Nadella, já havia mencionado o metaverso em uma conferência em maio desse ano. A palestra de Nadella não atraiu muita atenção, talvez porque sua descrição do metaverso seja um pouco hermética e técnica.

Ele diz que um “metaverso é feito de gêmeos digitais, ambientes simulados e realidade mista, e está emergindo como uma plataforma de negócios”.

“Gêmeos digitais” ou “digital twins” são simulações de coisas reais, mas é um termo que, exceto para quem atua em tecnologia e está antenado, não é bem conhecido. 

O metaverso começou a gerar muito mais interesse depois que Zuckerberg falou sobre o assunto em julho e anunciou a estratégia do Facebook. Zuckerberg disse que o metaverso vai além da realidade virtual e dos jogos de computador, aos quais é frequentemente associado.

Ele descreve o metaverso como “uma internet incorporada, onde, em vez de apenas visualizar o conteúdo, você está nela.”. A entrevista dele, publicada pela The Verge pode ser lida aqui.      

Por que o Facebook quer ser Meta?

A ideia do Facebook de entrar no metaverso não é de agora. Em 2014, o Facebook adquiriu a Oculus VR por US$ 2,3 bilhões. Oculus era uma startup que construiu um visor de realidade virtual direcionado principalmente para jogos digitais. 

A estratégia do Facebook (ou melhor, Meta) em cima do metaverso tem várias motivações: 

  • O desgaste do atual modelo de redes sociais; 

  • A perda de usuários mais jovens, que estão usando outras plataformas (preferindo TikTok ao Instagram, além de que a maioria da idade dos usuários do Facebook já está acima dos 35 anos) e até mesmo a credibilidade do próprio Facebook;  

  • Além disso, hoje o Facebook depende de rivais para funcionar, como os smartphones da Apple (que recentemente mudou as regras do jogo, e com isso afetou diretamente o modelo de negócios de anúncios personalizados) e do sistema Android, leia-se Google. 

Segundo o Financial Times, a atualização da Apple para a privacidade do iPhone já custou em 2021, aos gigantes da mídia social, incluindo o Facebook, quase US $ 10 bilhões. A Apple lançou uma atualização de privacidade em abril que obriga os aplicativos a mostrarem uma janela pop-up aos usuários solicitando consentimento para rastrear suas atividades para fins publicitários.

Se os usuários selecionarem a opção “não”, a Apple bloqueia o identificador exclusivo desse usuário para os anunciantes, e com isso derruba a principal ferramenta que permite aos anunciantes construir perfis de pessoas e direcioná-los com anúncios.

Sem essa informação, o anúncio perde muito de sua eficácia. Isso afeta diretamente o modelo de negócios do Facebook. 

Em janeiro, Zuckerberg já havia dito que a Apple se tornara um dos principais competidores do Facebook. Para sair dessa subordinação, com o metaverso, o Facebook busca estabelecer uma distribuição vertical, ou seja, dominar o hardware. Portanto, a empresa está investindo maciçamente em equipamentos.

Com o Oculus, o Facebook vê uma maneira de dispensar os dispositivos móveis para conectar diretamente as pessoas. E, com isso não ficar mais em uma dependência ameaçadora. 

Com o metaverso, o Facebook também quer entrar no mercado corporativo, lugar que hoje não tem presença significativa. Com o metaverso sua proposta é substituir as atuais tecnologias de videoconferência baseadas em 2D, como Zoom, Google Meet e outras.

E, também sinalizar que continua uma empresa inovadora. Nos últimos anos o Facebook não criou nada significativamente inovador. Adotou basicamente as técnicas de copycat para muitos de seus produtos (Stories do Snapchat, Reels do TikTok e IGTV do Youtube são exemplos emblemáticos) ou aquisição direta como a do Oculus, Instagram e WhatsApp.  

O Metaverso ainda está longe de ser verdade

O metaverso completo, no qual mundos virtuais distintos se aglutinam em um único mundo virtual integrado que, por sua vez, estará integrado ao mundo físico, ainda é muito mais conceito que realidade.

Aliás, esse metaverso não está nem perto da realidade. Precisa de muita coisa para evoluir, pois as peças tecnológicas para fazer isso acontecer ainda estão muito incipientes e em estágios diferentes de evolução e adoção.  

No metaverso, sua identidade, seus relacionamentos, seu dinheiro serão os mesmos no online e offline. Provavelmente não será um ambiente proprietário de uma única marca, mas um mundo conectado de vários ambientes, como a própria Internet. Ou seja, a interoperabilidade do metaverso é a chave para se criar o metaverso.

Entretanto, isso colide de frente com o modelo de negócios do Facebook, que exige que você fique no metaverso privado dele. Por isso, a estratégia de Zuckerberg de tornar o Facebook o próprio metaverso. Ou, em outras palavras, se o metaverso for a nova internet, na visão do FB, essa nova internet será o próprio Facebook. Não é um cenário agradável! 

Sem sombra de dúvidas, é um aspecto muito preocupante das falas de Zuckerbeger essa ideia do metaverso ser propriedade do Facebook. Um metaverso nessa concepção, controlado por um pequeno número de corporações, pode se tornar um pesadelo distópico.

Como vimos no documentário da Netflix, Social Dilemma, e mais recentemente na série de reportagens do Wall Street Journal, denominado Facebook Files, o Facebook e as outras BigTechs se preocupam mais com os seus lucros do que com o bem-estar social.

Essas empresas já exercem um enorme poder sobre nós, que cresce à medida que coletam mais dados sobre nós, e, obviamente, o metaverso poderia amplificar em muito esse poder. 

A jogada é arriscada. Embora de forma muito otimista, o Facebook acredita que em 5 anos será conhecido como “uma empresa metaversa”, essa tecnologia, se pegar, vai tornar o atual modelo de rede social irrelevante. O Facebook será uma empresa metaverso ou não será mais tão relevante quanto hoje. 

Teve gente que não gostou da ideia. O artigo “Move over, space. Tech billionaires have a new utopian boondoggle: the ‘metaverse’”  é bem crítico e tem lá seus argumentos.

Um ponto que ela destaca é “Viver em um espaço livre de consequências de sua própria imaginação, separado física e psiquicamente de seus concidadãos, para vagar por aí com avatares, é filosófica e psicologicamente questionável.”. Bem, deixo para vocês opinarem. 

Para tornar o conceito de metaverso realidade, será necessário resolver não apenas problemas técnicos, mas das relações públicas com a própria sociedade. A interface atual mais envolvente para simulações digitais são os óculos de tecnologia virtual do tipo produzido pela Oculus, que o Facebook comprou em 2014.

Mas, algumas BigTechs estão explorando as chamadas interfaces cérebro-máquina que vão além dos óculos de realidade virtual. Essas interfaces podem diluir ainda mais a fronteira entre nós e nossos dispositivos.

Já vemos muitas pesquisas e experimentações em busca de interfaces muito mais ambiciosas, que funcionam por meio de eletrodos implantados no cérebro ou por sensores (eletrodos) adesivados externamente.

Esses dispositivos podem ler nossos sinais mentais e transmiti-los a dispositivos externos, permitindo uma leitura da mente bem precisa e, chegando ao controle imaginado em Matrix e outras ficções científicas distópicas. 

O próprio Facebook criou um grupo de pesquisas atuando nesse sentido, como podemos ver no artigo “Facebook is building tech to read your mind. The ethical implications are staggering”. 

Para acompanhar de perto, vejam o Facebook Reality Labs. Esse blog mostra os avanços obtidos, como no artigo “BCI milestone: New research from UCSF with support from Facebook shows the potential of brain-computer interfaces for restoring speech communication”. 

Na prática, o Facebook suspendeu temporariamente suas pesquisas relacionadas com implantes, as substituindo por dispositivos não invasivos.

A suspensão foi basicamente pela frustração com os resultados obtidos e a constatação que levará bem mais tempo para conseguirem lançar produtos comercialmente. Mas, nada impede que voltem quando as principais dificuldades técnicas forem resolvidas.  

Além disso, outras empresas, como a Neuralink de Elon Musk, estão desenvolvendo interfaces implantadas. E, claro, tem o impulso das Forças Armadas americanas, que sempre investem pesadamente em tecnologias de ponta, injetando bilhões de dólares.

 O artigo “How DARPA drives Brain Machine Interface Research” mostra o que já tem sido feito, pelo menos oficialmente! 

Meu ponto de vista: talvez o metaverso baseado em implantes cerebrais seja apenas um hype e não se torne realidade. As prováveis implicações éticas, sociais e econômicas terão amplitudes e impactos tão grandes que ainda não temos todas as condições de discuti-las adequadamente.

Mas, dada a imprevisibilidade do mundo, não sei se poderemos descartar totalmente a possibilidade de um futuro metaverso com implantes ou dispositivos vestíveis monitorando nossas atividades cerebrais. A ficção científica tem se mostrado muito mais como antecipação científica. 

Portanto, quero propor aqui uma reflexão: metaverso será mesmo um negócio fantástico? O futuro da internet? Será plausível? Ou será distópico e assustador? 

Cezar Taurion é Head da Ciatécnica Research e Partner/Head de Digital Transformation da Kick Corporate Ventures. Membro do conselho de inovação de diversas empresas e mentor e investidor em startups de IA. É autor de nove livros que abordam assuntos como Transformação Digital, Inovação, Big Data e Tecnologias Emergentes. Professor convidado da Fundação Dom Cabral, PUC-RJ e PUC-RS.