Nos últimos 25 anos vivenciamos mudanças significativas no cenário de negócios. Analisando mais a fundo essas mudanças, podemos dividir esse período em três eras. Na primeira, cujo livro ícone foi “Estratégia Competitiva: Técnicas para Análise de Indústrias e da Concorrência” de Michael Porter, era consagrado o cenário típico da sociedade industrial, tanto que Porter propunha que a inovação seria top-down. Já Clayton Christensen, no “Innovator´s Dilemma”, entrava com outra visão, da inovação bottom up, com disruptores começando a ameaçar as empresas dominantes por baixo, conquistando espaços em mercados considerados pouco atraentes por elas. Posteriormente, em “Blue Ocean”, W. Chan Kim e Renée Mauborgne atualizaram a visão bottom up, mas gradual, como proposto por Christensen, com exemplos de inovadores que não pensavam nos produtos e competidores tradicionais, mas entravam em novos mercados ou rompiam mercados existentes, com inovações disruptivas. Um exemplo típico citado por eles é o Cirque du Soleil que criou um novo segmento, o de circos sofisticados, acabando com os circos tradicionais, inovando com eliminação dos números com animais e criando performances artísticas completamente diferentes.

Hoje, entramos em uma quarta era, onde a mudança vem de todos os lados. É um cenário de negócios cada vez mais imprevisível, frágil e acelerado. Inovações são criadas por startups, por empresas do mesmo setor ou por empresas de setores completamente diferentes. Os planos estratégicos meticulosamente preparados pela cartilha de Porter podem virar pó de um dia para o outro. Mesmo Christensen, com sua proposta de avaliar potenciais concorrentes que entraram em mercados considerados pouco atraentes para as empresas dominantes, não vislumbrava a velocidade das mudanças atuais. Sua velocidade de resposta já se mostra lenta demais. O próprio conceito do Blue Ocean também não segura a entrada repentina de eventuais choques competitivos. A nova competição não considera as regras e limites dos atuais setores de indústria. O Uber não se limitou a atuar debaixo da regulação dos táxis. O Airbnb ignorou o modelo de crescimento linear da indústria hoteleira, que dependia de construção ou aquisição e prédios para crescer. O WhatsApp ignorou as regras econômicas de cobrar por mensagens SMS e entrou com modelo de mensagens gratuitas. As FinTechs colocaram em prática processos inteiramente digitais, sem papel, que os bancos acreditavam que eram imutáveis, como obrigar o cliente a abrir conta na agência, diante do gerente. Novas regras para novos jogos. Sério, em 2020 alguém imaginaria uma pandemia parando o mundo? A Rússia invadindo a Ucrânia?

O grande desafio das empresas e seus líderes é como sobreviver e prosperar neste cenário conturbado e volátil. Criar um novo negócio como uma startup e transformar um já existente são coisas completamente diferentes. Mas, as empresas têm que fazer os dois papéis: otimizar o atual e se reinventar continuamente. Ao mesmo tempo!

Para promover uma transformação não linear é importante absorver o conceito que o tempo é um continuum. O futuro não fica em um horizonte distante e não dá para adiar a sua construção. O fato do mundo e o país passarem por crises econômicas e ajustes não é desculpa. Inovar quando a economia cresce é relativamente fácil, mas a sobrevivência futura está em saber como se reinventar em períodos difíceis. E o difícil e imprevisível parece ser o novo “business as usual!

Liderar uma transformação demanda uma série de aprendizados. Primeiro é preciso ser altamente disciplinado e focado. As iniciativas de transformação da empresa não podem ser desconectadas e isoladas umas das outras. Os líderes têm que estar profundamente convencidos da necessidade da transformação. Que é uma questão de sobrevivência e não apenas algo como “nice to have”. É essencial ter os talentos adequados e que todos estejam imbuídos e comprometidos com a jornada. E, resiliência é fundamental, pois tropeços, críticas, erros e acertos fazem parte do jogo. Uma transformação leva tempo e não é uma tarefa fácil. Exige coragem para assumir riscos.

Não existem mapas para trilhar caminhos não navegados, mas algumas bibliografias ajudam a criar sua própria trilha. Um deles é “A estratégia das 3 caixas” de Vijay Govindarajan. É um método simples que identifica os três grandes desafios enfrentados pelas empresas que lidam com inovação, que são criar continuamente o futuro, ao mesmo tempo que precisam otimizar o negócio atual (que gera a receita que paga as contas no fim do mês), mas também se desapegar de práticas e métodos criadas no passado, que ainda impulsionam a empresa hoje, mas prejudicam seu futuro.

Ler livros é interessante, mas colocar em prática é outra coisa. Entre a bela teoria e a dureza da realidade existe um gap imenso. Me considero afortunado, pois estou tendo a oportunidade de fazer isso, como conselheiro de inovação em algumas empresas.

A transformação em curso que vejo nessas empresas, mostra na prática que não é fácil lidar com a tensão natural existente entre os valores da preservação, destruição e criação. Embora alguns conceitos sejam simples, como o proposto pelo livro das “3 caixas”, colocá-los em prática é difícil. Nenhuma transformação é possível sem reformular a cultura e a forma como as coisas são feitas. Cultura reflete a atitude das pessoas e nesse aspecto as empresas que têm uma vantagem, são as que considero um terreno fértil para inovação, aquelas onde em seus princípios, não há barreiras entre os funcionários e os seus executivos. Não seguem hierarquia rígida e castradora.

Por outro lado, é muito comum termos uma empresa bastante orientada para processos e hoje, como o ritmo de mudanças é cada vez mais acelerado, o sucesso não é alcançado apenas porque existe excelência de processos como propostos por diversas técnicas. São muito importantes para manter a eficiência e qualidade do que existe hoje, mas muitas vezes acabam limitando a criatividade e a experimentação. Os processos precisam ser simplificados, modelos ágeis precisam ser adotados e novos talentos serem fomentados. Além disso, é importante que os executivos mostrem de fato, mesmo com pequenas ações, que existe um compromisso com a mudança, e essas ações, por menores que sejam, são um claro sinal para toda a empresa que as mudanças já estão em curso.

A maioria dos processos de transformação no qual estou envolvido ainda estão em seu início, mas uma primeira lição já pode ser citada: inovar, mesmo em momentos de ajuste é eficaz. Cria novas oportunidades e reposiciona a empresa perante seu mercado atual e abre novas oportunidades. Em cenários de incerteza, com mudanças contínuas sendo as novas regras do jogo, é essencial experimentação, mas de baixo custo que possam testar ideias e validar concepção de modelos de negócios e operação escaláveis.

A base da experimentação está no aprendizado e a cada dia é mais um passo de criação do futuro, mas balanceada com a destruição de práticas legadas que devem ser eliminadas com a otimização do dia a dia. Nada é mais inútil que otimizar um processo que deveria ser eliminado. É um processo entusiasmante: participar da transformação de uma empresa, de linear e analógica, para exponencial e digital.

Cezar Taurion é Head da Ciatécnica Research, e Partner/Head de Digital Transformation da Kick Corporate Ventures. Membro do conselho de inovação de diversas empresas e mentor e investidor em startups de IA. É autor de nove livros que abordam assuntos como Transformação Digital, Inovação, Big Data e Tecnologias Emergentes. Professor convidado da Fundação Dom Cabral, PUC-RJ e PUC-RS