A tecnologia vai provocar desemprego em massa? Ou isso será minimizado por novas funções que vão surgir? A resposta certa não está em nenhum desses extremos. Mas há imensos desafios pela frente

Um dos assuntos que mais se discute é o impacto da robótica e da inteligência artificial (IA) nos empregos e profissões. Essas tecnologias podem gerar imenso valor econômico, mas também eliminar muitos empregos e com isso provocar grandes problemas sociais.

A automação, muito antes da aplicação mais intensa da IA e da robótica, já eliminara empregos como ascensoristas, telegrafistas, telefonistas e datilógrafos. Mas também criou outros. Alguns impensáveis como YouTuber ou outros muito especializados, como engenheiros de machine learning (ML).

Não existem respostas prontas e temos claramente dois extremos. Um deles pessimista, em que a IA causaria desemprego em massa, criando distorções econômicas, sendo “boa para o crescimento e ruim para desigualdade”. E outro otimista, que embora concorde que existiria um impacto nos empregos no curto prazo, com o tempo, surgiriam inúmeras outras oportunidades.

Eventualmente, no longo prazo, algumas décadas a frente, as máquinas poderiam fazer todas as tarefas e os humanos viveriam no lazer, como nos mostrou a animação da Pixar, Wall.E. Creio que não devemos ficar nos extremos, mas em algum ponto próximo do meio.

O aumento da sofisticação da automação que a IA proporciona coloca em risco as atividades repetitivas e robotizadas, uma vez que as máquinas são mais eficientes que os humanos para essas tarefas.

As máquinas têm indiscutível vantagem sobre humanos em tarefas nas quais é necessário analisar imensos volumes de dados e correlacionar diversas variáveis para uma tomada de decisão, como em uma análise de crédito.

Nesse processo, um humano consegue analisar algumas poucas variáveis e correlacioná-las. A máquina, por sua vez, analisa e correlaciona centenas de variáveis diferentes e chega a uma decisão em milissegundos.

Centros de distribuição tem robôs movimentando objetos de um lugar para o outro, de forma mais eficiente que humanos. E, em pouco anos, impressoras 3D motorizadas por algoritmos de IA estarão construindo casas, usando poucos operários.

As máquinas têm indiscutível vantagem sobre humanos em tarefas nas quais é necessário analisar imensos volumes de dados

Estes, por sua vez, estarão mais concentrados em tarefas mais especializadas, que requerem destreza manual, como colocação de portas, janelas e luminárias. Tecnologias de RPA automatizam tarefas burocráticas, reduzindo a necessidade de horas de trabalho humano.

Muitos analistas de indústria e economistas argumentam que, como as mudanças tecnológicas do passado, a atual revolução digital, fundamentada em IA, não criará desemprego em larga escala, pois o trabalho será, mais cedo ou mais tarde, realocado.

Por essa argumentação, mesmo que a robótica já tenha começado a deslocar um grande número de trabalhadores, os empregos que são dependentes de características humanas como criatividade, empatia, inteligência emocional e habilidades sociais (incluindo ensino, orientação, enfermagem e assistência social, por exemplo) podem se tornar mais numerosos.

Em parte, é verdade, pois a máquina não tem a capacidade humana de criar e improvisar. E essas tarefas continuarão a ser feitas por humanos. Os algoritmos não substituirão os médicos, mas assumirão as tarefas repetitivas e robotizadas que eles fazem hoje, abrindo-lhes espaço para tornar a medicina mais humana.

Por outro lado, as tarefas repetitivas serão automatizadas e o desafio é como reciclar as pessoas que executam essas tarefas e perdem seu emprego, para assumirem novas tarefas, que lhes exigirão maior capacidade cognitiva e conhecimento.

A grande questão é, no meu entender, a velocidade com que essas mudanças ocorrerão. Não creio que a revolução da IA e da robótica irá replicar o passado porque simplesmente a rápida adoção em massa dessas tecnologias pode eventualmente destruir ou transformar muitas indústrias quase simultaneamente, sem dar tempo de recuperação à economia e a sociedade em geral.

Os avanços da robótica podem ser tais que, de repente, a maioria, senão todas as funções humanas básicas envolvidas no trabalho operacional, poderia ser realizada de forma mais eficaz e mais barata por máquinas, com a vantagem dessas serem capazes de trabalhar continuamente com um custo marginal mínimo.

O que difere fundamentalmente a revolução digital impulsionada pela IA e robótica das revoluções tecnológicas anteriores é sua velocidade e amplitude. Na revolução industrial, o ritmo de adoção de novas tecnologias foi muito mais lento.

O que difere a revolução digital impulsionada pela IA e robótica das revoluções tecnológicas anteriores é sua velocidade e amplitude

As ferrovias, por exemplo, substituíram o cavalo como meio de transporte, com as consequentes perdas de emprego para os cocheiros, os ferreiros e os fabricantes de carruagens. Mas sua disseminação levou várias décadas para ganhar tração, em parte devido às volumosas quantidades de investimento necessário em instalações, maquinário e infraestrutura.

Houve tempo suficiente para as economias se adaptarem, evitando períodos de desemprego em massa. Os automóveis, aviões e os computadores, por sua vez, criaram novas funções. Algumas já desapareceram com a evolução tecnológica, como os navegadores e engenheiros de voo nas aeronaves e os digitadores nos antigos centros de computação.

Outras funções, como motoristas, no longo prazo, talvez em 15 ou 20 anos, poderão estar em risco de extinção com a adoção dos veículos autônomos. Entretanto, conseguirmos um veículo totalmente autônomo ainda está distante. O dia a dia no trânsito, com situações insólitas, nunca treinadas pelos algoritmos, é a verdadeira razão pela qual a direção autônoma é tão difícil.

Todos os protótipos como os da Waymo, Cruise, Argo AI, Mobileye e os outros precisam ser recalibrados regularmente (diariamente), só funcionam com bom tempo (sem chuva forte, nevoeiro ou neve) e em situações de trânsito bem controladas. Por isso a maioria desses carros ainda está autorizada a rodar apenas sob regras do L2 e alguns lutando para chegar a L3. L4 ainda está mais longe e L5 ainda no futuro de uns 15 a 20 anos no mínimo.

Para lembrar, os níveis de automação variam de zero a cinco. O nível L0 é sem automação e o L5 é de autonomia total, em que o veículo pode realizar a viagem de forma autônoma em quaisquer condições ambientais. Nesse nível não precisaremos de volantes e não teremos motoristas, apenas passageiros.

As tecnologias digitais se disseminam exponencialmente e não linearmente como as das revoluções anteriores. Quanto mais rápido surgirem as novas ondas tecnológicas e quanto mais baratas elas forem para serem implementadas, mais ampla será sua difusão, e mais rápida e profunda será a taxa de perda de emprego, com menos tempo de adaptação para as economias.

As tecnologias digitais se disseminam exponencialmente e não linearmente como as das revoluções anteriores

Muitos dos mecanismos de autocorreção dos mercados, como propostos por Adam Smith, provavelmente não funcionarão na economia movida à IA e robótica. Um exemplo é que um alto nível de desemprego leva a diminuição da remuneração, que por sua vez reduz os preços e aumenta o consumo, movimentando positivamente a economia. Com isso, novos empregos seria gerados.

Um aumento na produção industrial será feita com uso de mais automação e robótica e apenas poucos empregos mais especializados. Corremos o risco de termos um sistema de castas, com uma classe profissional de elite, altamente preparada, que se encarregaria de tarefas criativas e complexas que a máquina não tem capacidade de assumir, e uma classe de subempregos, típicos do que vemos hoje na gig economy.

Apesar de nossas falhas como humanos, nós devemos permanecer no loop quando a IA estiver operando em sistemas de missão crítica, escolhendo quem deve ou não ir para uma UTI. A IA sem humanos no loop deverá ficar restrita às situações em que a falha é aceitável, como indicação de filmes, recomendação de livros ou tarefas repetitivas que não causem grande prejuízo se for efetuada de forma incorreta.

Mas substituir 100% de um diagnóstico médico, dirigir por conta própria um veículo no trânsito caótico de uma grande cidade ou decidir se uma pessoa deve ou não ser contratada, são, indiscutivelmente ações que teremos que ter nós, humanos, no loop. Máquinas e os humanos trabalharão em colaboração.

Um exemplo é a medicina. A IA é uma poderosa ferramenta que amplificará a capacidade do médico, o ajudando a fazer diagnósticos melhores, pois a computação consegue correlacionar milhares de variáveis, capacidade que nós humanos não temos.

A tecnologia ajudará na contratação, tirando do recrutador as tarefas robotizadas e repetitivas, deixando para ele as entrevistas “olho no olho”, o toque humano. Afinal, o bom senso, a criatividade, a reação diante do inesperado são essencialmente humanas.

Ainda está muito longe termos alguma IA próxima disso. As atividades relacionadas com essas tarefas serão efetuadas por nós. Mas serão apenas uma pequena parcela das atividades profissionais requeridas pela sociedade.

E o Brasil?

Não tenho dúvidas que o forte impacto da IA na sociedade, empresas e nas profissões é um assunto de extrema importância. Um relatório do Fórum Econômico Mundial alertou que provavelmente 65% das crianças que estão nas escolas primárias hoje trabalharão em funções completamente novas, que simplesmente ainda não existem.

No Brasil, vejo que temos algumas barreiras desafiadoras como a ainda grande incompreensão das disrupções que já estão surgindo e a falta de alinhamento da estratégia de reciclagem e retreinamento da força de trabalho das empresas e dos órgãos públicos, com as inovações. E, claro, nosso baixo nível educacional.

A revolução da IA apresenta um grande desafio para o Brasil. O país tem baixa produtividade e uma educação deficiente, o que está nos deixando ainda mais para trás em relação às economias mais produtivas. O nosso baixo nível educacional, por sua vez, dificulta a adaptação dos trabalhadores à nova realidade impulsionada pela IA e robotização.

A revolução da IA apresenta um grande desafio para o Brasil. O país tem baixa produtividade e uma educação deficiente

Um requisito para acompanharmos a revolução da IA é a capacidade da força de trabalho em se manter atualizada e, portanto, se adequar às novas tarefas, carreiras e profissões.

Novas funções serão criadas, mas, no período de transição, será que os que perderão seus empregos poderão migrar para outras funções, que provavelmente demandarão skills diferentes das que eles adquiriram na sua vida profissional? Sem dúvidas, teremos uma mudança significativa na relação pessoas-máquinas e isso vai se refletir nas funções, academia e relações trabalhistas.

Um documento, “Artificial Intelligence, Automation, and the Economy”, discute os impactos da IA na economia e no mercado de trabalho, sugerindo uma série de medidas para que um país (foi feito para os EUA, mas se aplica a qualquer nação) esteja preparado para a nova era da IA e robótica.

O relatório propõe três estratégias básicas:

a) investimento em pesquisa e formação de talentos em IA;

b) educação e formação de pessoas para os trabalhos e profissões do futuro, que ainda serão criados;

c) como resolver o problema da transição do atual mercado de trabalho para um cenário da economia da IA, com a automação executando grande parte das atividades repetitivas que rotineiramente são feitas por pessoas.

O que fazer ainda gera muitos debates. Existem proponentes de uma renda mínima universal, através de tributação de uso de robôs pelas empresas, para eventualmente desacelerar o ritmo de automação e financiar outros tipos de emprego. Essa proposta foi feita por Bill Gates e sua ideia está em “The robot that takes your job should pay taxes, says Bill Gates”, mas pode levar a inibir a eficiência produtiva.

A proteção artificial de empregos pode distorcer a economia. Pode até funcionar no curto prazo, como medida paliativa de transição, mas inevitavelmente leva a sacrificar a eficiência e perda de competitividade, prejudicando toda a sociedade.

A resposta a esse desafio tem de vir da educação. É absolutamente imperioso que os trabalhadores sejam preparados para esta nova era digital, em que máquinas e humanos trabalharão em conjunto.

O nosso nível educacional precisa urgentemente ser melhorado, condição essencial para que uma economia seja produtiva e se insira de forma adequada na revolução da IA e robótica.

O impacto da IA na transformação da sociedade precisa ser compreendido. Uma dose mínima de inteligência aplicada a um processo ou a objetos vai elevar a eficácia de qualquer sistema a outro patamar.

A IA nos oferece imensas possibilidades, mas caso não estejamos adequadamente preparados, essas oportunidades se transformarão em ameaças.

Cezar Taurion é Head da Ciatécnica Research, e Partner/Head de Digital Transformation da Kick Corporate Ventures. Membro do conselho de inovação de diversas empresas e mentor e investidor em startups de IA. É autor de nove livros que abordam assuntos como Transformação Digital, Inovação, Big Data e Tecnologias Emergentes. Professor convidado da Fundação Dom Cabral, PUC-RJ e PUC-RS